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Bravíssimo!

O pianista e maestro João Carlos Martins se apresentou no último mês em Salto e concedeu esta entrevista à Revista Regional

João Carlos Martins é um paulistano que ganhou o mundo com o amor incondicional que sente pela música. Dono de um talento ímpar, como poucos foram em todo o século XX, é admirado e respeitado por espectadores das mais diversas classes sociais. Desde pequeno sabia que seu destino estava ligado ao universo musical, mas uma série de problemas físicos quase o fez desistir. Força, perseverança e uma vontade incessante de dar a volta por cima levaram o pianista a lutar por seus sonhos. E ele não só chegou lá, como também se tornou um verdadeiro ícone da música clássica em âmbito internacional. Aos 71 anos de idade, ainda se emociona a cada apresentação que faz, seja como pianista ou como regente. Movido por sonhos e esperança, ainda tem planos que prometem mudar a realidade da cultura em nosso país. Leia a entrevista e conheça um pouco mais sobre essa história que é uma grande lição de vida.

 

 

Como foi sua inserção na música?

A origem do meu amor pela música está em meu pai. Ele sempre sonhou ser pianista, mas não conseguiu, pois aos dez anos teve uma parte da mão decepada numa prensa em uma gráfica onde trabalhava em Portugal. Este sonho ele transmitiu para os filhos e eu comecei a estudar piano aos oito anos de idade.

Como era a sua relação com a música na infância?

Quando menino tive minha primeira adversidade – uma espécie de tumor no pescoço, cujo a operação mal sucedida deixou como sequela uma ferida que ficava purgando permanentemente. Assim, estudar piano foi um refúgio e um consolo, que se transformou em grande amor.

E a partir de que momento decidiu que trabalharia com isso para o resto da vida?

Como comecei muito cedo, as coisas foram simplesmente acontecendo. Com oito anos, por exemplo, depois de seis meses estudando piano, ganhei meu primeiro concurso interpretando Bach.

Quando teve a primeira lesão com suas mãos?

Foi numa queda jogando futebol no Central Park de Nova York com o time do meu coração – a Portuguesa de Desportos. Quando caí uma pedra entrou no meu braço e lesionou meu nervo ulnar.

Depois disso o senhor voltou a tocar, mas acabou desenvolvendo outro tipo de problema. Foi quando pensou em desistir de tudo?

Para voltar a tocar mudei a posição das mãos e desenvolvi a LER (Lesão por Movimentos Repetitivos). A dor era tanta que fui forçado a me afastar do piano por cerca de oito anos.

O que o levou a voltar atrás e lutar pelo seu sonho?

Neste período encontrei o Eder Jofre e propus a ele que tentasse recuperar o título mundial de boxe que eu seria seu agente. Ele, apesar de seus 39 anos, na época conseguiu. Quando a luta acabou me senti um covarde por não tentar voltar ao piano. No dia seguinte comecei a estudar outra vez.

Qual foi a sensação quando, já depois de ter superado suas dificuldades e ter encontrado um estilo próprio para tocar, sofreu mais um golpe do destino naquele assalto que o fez perder parcialmente os movimentos das mãos?

Foi muito difícil, mas eu tinha prometido a meu pai, na época com 98 anos, que terminaria de gravar a obra completa de Bach para Teclado, num total de 22 CDs. Como ainda faltavam cinco CDs, durante oito meses fiz um tratamento de reprogramação cerebral no Jackson Memorial Hospital de Miami para poder voltar a tocar e terminar as gravações.

Como foi a recuperação? Pensou em abandonar tudo novamente?

O processo de recuperação foi árduo e me deixou como consequência um espasmo permanente na mão direita e uma dor muito forte a cada palavra que eu falava. É que na reprogramação cerebral as células do hemisfério da fala foram as que substituíram as células lesionadas por causa do assalto. Quando acabei de gravar a integral, a dor era tanta que, para ter um mínimo de qualidade de vida, os médicos decidiram seccionar o nervo da mão. Os espasmos ainda existem, mas como não há nervo, a dor não chega no cérebro.

Como foi a transição do piano para a regência? O que o deixa mais completo: tocar ou reger?

Foi depois de um sonho com o grande maestro Eleazar de Carvalho, mas antes disso ainda fiz uma carreira tocando piano só com a mão esquerda. Hoje a orquestra é o meu piano.

Sua trajetória se tornou um verdadeiro exemplo de vida. Sente que cumpre sua missão de vida quando toca o coração das pessoas através do seu trabalho?

As pessoas falam que sou um exemplo de superação, mas me considero um grande teimoso. Fazer música e levar emoção para as pessoas é o que pode haver de melhor no mundo.

O senhor é considerado uma lenda viva da música. Tem, inclusive, recebido inúmeras homenagens, nas mais variadas formas, por sua incrível trajetória. Como se sente em relação a isso?

Sinto-me muito orgulhoso, mas não imaginava que a minha trajetória na música clássica pudesse inspirar tanta gente.

Consegue descrever a emoção que sentiu ao ser homenageado pela Vai-Vai? É possível comparar com algo que já tenha vivido até então?

Tive muitas emoções durante a vida. Minha estreia no Carnegie Hall aos 20 anos, meu retorno ao mesmo Carnegie Hall após a LER aos 40 anos, mais uma vez no Carnegie Hall após o assalto aos 58 anos e minha estreia naquele palco como regente aos 66 anos, mas nada no mundo se compara a entrar na avenida com 30 mil pessoas cantando um samba feito em sua homenagem. Estou certo de que esta foi a maior emoção de toda a minha vida.

Como é o trabalho que desenvolve com jovens carentes em nosso país?
A Fundação Bachiana hoje cuida de cerca de 2 mil crianças e adolescentes em vários núcleos de musicalização nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, e já descobrimos vários talentos. Isso é muito gratificante!

O senhor acredita que existe algum preconceito com a música erudita nos dias atuais ou acha que a juventude de hoje está mais interessada e dando mais valor a esse gênero?
Acho que já evoluímos um pouco nestes últimos anos, mas ainda existe sim desconhecimento, não acho que seja preconceito. Não acho que todos têm que gostar da música clássica, mas tenho certeza de que todos têm o direito de conhecê-la. Por isso que a Fundação Bachiana tem o projeto de democratização da música como uma de suas metas principais juntamente com os núcleos de musicalização.


O Brasil ainda está realmente muito atrás de outros países, como os europeus, no que diz respeito à difusão da música erudita? Na sua opinião, o que falta para que esse quadro seja revertido?

A diferença entre o Brasil e países europeus ou os EUA é grande, e o que mais falta é a divulgação da música clássica. Mas com a volta da música nas escolas a partir de 2012, tenho certeza que este quadro vai mudar.

O senhor se sente completamente realizado ou ainda tem algum grande sonho dentro da música?
Sou um homem realizado, mas o que nos move são os sonhos, e eu nunca paro de sonhar. Quero em dez anos ver florescer mil orquestras jovens pelo Brasil. Já começamos a trabalhar nisso através da Fundação Bachiana.

Qual o legado pretende deixar para as próximas gerações de músicos?
A minha frase predileta: “A música venceu!”

entrevista e texto Caroline Rizzi

fotos Rapha Bathe

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