Regional entrevista a ex-deputada federal Iara Bernardi, autora do projeto de lei que criminaliza a homofobia e prevê punições para diversas manifestações de preconceito
Um assassinato a cada dois dias. A constatação alarmante faz do Brasil o recordista mundial de crimes contra homossexuais. De fato, os números assustam: em 2009, ocorreram 98 mortes; 11 a mais que no ano anterior. Em relação a 2007, quando foram cometidos 122 homicídios, o aumento é de 62%. O levantamento é feito anualmente pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), que há mais de 30 anos coleta dados relativos à prática de homofobia. Segundo o GGB, de 1980 a 2009 foram documentados 3.196 homicídios, média de 110 por ano.
Neste cenário marcado pelo aumento assustador da violência e extrema crueldade, os homossexuais, com o apoio de alguns setores da sociedade, mobilizam-se para fazer valer os seus direitos, para garantir que haja respeito às diferentes formas de amar. Se, por um lado, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, no último mês, a união civil homoafetiva – assegurando a estes casais os mesmos direitos dos heterossexuais, em questões relativas à previdência ou plano de saúde, por exemplo – por outro ainda são vários os desafios a serem enfrentados.
Aprovado por unanimidade na Câmara em 2006, o Projeto de Lei nº nº5003/2001, tramita no Senado desde 2007, com um novo número: 122. A proposta é um complemento à chamada Lei das Discriminações e prevê punições para a manifestação de preconceito por gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Todavia, há forte resistência à aprovação do projeto, que atualmente tem como relatora a senadora Marta Suplicy (PT-SP).
Para falar dos entraves e esclarecer aspectos importantes da Lei, Revista Regional convidou a professora e ex-deputada federal por três mandatos Iara Bernardi, autora do Projeto de Lei Complementar nº5003/2001 que criminaliza a homofobia em âmbito nacional. Nessa entrevista, Iara, que mora em Sorocaba, defende veementemente a igualdade de direitos e lembra que, apesar de ser um Estado laico, o Congresso tem sido influenciado pelas manifestações – que ela classifica como retrógradas – da bancada religiosa.
A ex-parlamentar acredita que o exercício da tolerância e amor ao próximo devem ser incentivados para que haja, de fato, a igualdade de direitos. Segundo ela, é preciso promover a cultura de paz, baseada no respeito a todos os seres humanos com as suas diferenças e diversidades. Sob essa perspectiva, é fundamental que a aceitação comece pela família e também pelas crianças. Veja abaixo a íntegra da conversa.
A criminalização da homofobia enfrenta resistência por parte de alguns setores da sociedade. Um dos principais argumentos deste grupo é que o PL 122 poderia tolher a liberdade da expressão. Falam também em favorecimento dos homossexuais, quando na verdade o objetivo é coibir as manifestações de violência e discriminação. Até que ponto tais distorções têm dificultado a aprovação da Lei pelo Senado?
No Brasil ainda é muito grande o preconceito, a discriminação e os crimes de ódio, com agressões e morte contra os homossexuais. O PL 122/2006 que está em votação no Senado, de nossa autoria, trata de acrescentar na Lei 7.716/1989 que pune ou permite a punição pelo Estado a discriminação e o preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Acrescentamos nesta Lei punições para discriminação e preconceito por gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Esta Lei foi construída e debatida amplamente na Câmara dos Deputados com todos os setores interessados e implicados no tema: Ministérios da Justiça, Educação e Saúde; Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT); religiosos e juristas. Fizemos inúmeras audiências públicas para chegarmos à melhor redação, fazendo com que fosse aprovada por unanimidade em plenário da Câmara no final de 2006, depois de três anos de tramitação.
Ainda falando sobre os casos de violência, sabe-se que, no Brasil, as agressões contra homossexuais são bastante frequentes e – infelizmente – cada vez mais graves. Como a aprovação da Lei irá contribuir para reverter esse quadro? A que a senhora atribui o comportamento homofóbico?
A homofobia – assim como o racismo e o machismo – está introjetada na cultura e no comportamento das pessoas. Mais uma vez, é importante esclarecer que não é uma Lei que acaba com tudo isto, mas ajuda a coibir, inibir, enfrentar e proteger as vítimas destas manifestações de discriminação.
Na outra ponta, por que é tão importante que se invista em conscientização? Em linhas gerais, a senhora acredita que a sociedade brasileira é tolerante / está preparada para aceitar à diversidade sexual? Como tornar mais fácil esse processo?
Com a educação para o respeito a todos os seres humanos com as suas diferenças e diversidades, com uma cultura de paz e aceitação que deve começar pelas nossas crianças, na família e na escola. Tivemos de construir e aprovar uma Lei específica para combater a violência de gênero contra a mulher, a Lei Maria da Penha (entrevistada recentemente por Revista Regional), embora nossa Constituição já estabeleça que homens e mulheres são iguais perante a Lei. No caso dos homossexuais, isto também se faz necessário.
Como o reconhecimento da união civil homoafetiva pelo Supremo pode abrir caminho para a aprovação do PL 122?
O STF reconheceu os direitos da união homoafetiva enquanto o Congresso Nacional, que tem o dever de legislar, fica paralisado pelas manifestações retrógadas das bancadas religiosas fundamentalistas, se esquecendo de que o Estado brasileiro é laico e os direitos devem ser iguais para todos.
De que maneira a mídia – e também a população – pode contribuir para fomentar e intensificar essas discussões? Quais as principais barreiras e pré-conceitos a serem superados?
Penso que todo este debate sobre a homofobia e a união homoafetiva no Brasil é muito saudável, estamos falando de direitos civis, de igualdade, de respeito às diferenças, de tolerância e amor ao próximo. Isto já avançou em outros países e vai avançar no Brasil também, o tema já aparece nas novelas que entram na casa de todo mundo sem causar alarde, o Ministério da Educação está preparando material adequado para tratar do tema nas nossas escolas. Só falta o Congresso fazer a sua parte.
entrevista e texto Piero Vergílio
foto Divulgação