>

Post: Intolerância não!

Intolerância não!

Casos de agressões a homossexuais são registrados também em nossa região e geram debate sobre o comportamento da sociedade

Nos últimos meses a mídia mostrou mais uma série de casos de agressão contra homossexuais, sendo dois deles na Avenida Paulista, São Paulo, no dia 14 de novembro, por volta das 6h30 da manhã. Em depoimento à polícia, o fotógrafo de 20 anos e o estudante de 19, disseram que estavam num ponto de táxi, quando cinco jovens – quatro menores de idade – se aproximaram e começaram a agredi-los. O fotógrafo conseguiu correr para uma estação de metrô, enquanto o estudante foi espancado no local. O grupo também usou duas lâmpadas fluorescentes para agredir um rapaz de 23 anos que caminhava com um amigo pela avenida. Segundo os policiais, a motivação para os ataques teria sido preconceito sexual.

De acordo com o relatório anual divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), cerca de 200 homossexuais foram assassinados durante o ano de 2009 no Brasil, ou seja, a cada dois dias um homossexual morre vítima de violência, situação esta recorrente no mundo todo e ainda distante de chegar ao fim. Isso porque, como explica Moacir Rodrigues de Mendonça, delegado de polícia titular de Salto, muitas vítimas de intolerância sexual sentem vergonha de denunciar ou registrar boletins de ocorrência, o que favorece o crime. “Não denunciar faz com que as agressões aumentem diante da certeza de impunidade por parte dos agressores”, afirma Mendonça, considerando ainda a necessidade de ser criado um núcleo policial específico para atendimento de GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transexuais). “Às vezes um homo chega para falar com um policial e não recebe a devida atenção, assim como acontecia com as mulheres agredidas, antes de ser criada a Delegacia da Mulher”, compara.

Ao optar pelo silêncio para preservar a identidade sexual e evitar comentários, muitas vítimas de agressão ficam fora das estatísticas, como é o caso do cabeleireiro conhecido como “Samantha L.”, 21 anos. Quando voltava de um clube, há quatro anos, ele aceitou carona de um colega e, dentro do carro, sob ameaça de agressão foi obrigado a praticar relações sexuais. “Além dele havia outro rapaz… Foi muito ruim! A gente se sente culpada, suja… Fiquei muito tempo sem sair de casa, com medo do caso se repetir. Mas eu já superei isso, graças a Deus”, desabafa.

Para Mendonça, “os agressores são covardes e geralmente agem em grupo”. Ao sair de uma choperia à noite, já próximo de sua casa A.R.F, 26 anos, conta que foi surpreendido por dois indivíduos que estavam numa moto e passaram efetuando vários disparos contra ele, dos quais dois o atingiram no abdômen. Baleado, o jovem correu até um ponto de taxistas, mas teve ajuda negada, sendo socorrido por policiais militares 15 minutos depois. Ele passou por uma cirurgia de reconstrução do intestino e ainda hoje tenta esquecer o pesadelo, ocorrido há dois anos. O laudo policial concluiu que A.R.F. foi confundido com outro travesti, mas o jovem acredita que o ato criminoso tenha sido um protesto devido à concentração desse grupo no local.

“Numa sociedade homofóbica, a gente ouve comentários: Ah, facilitou! Mas o fato de usar uma roupa e ter uma preferência sexual não autoriza as pessoas a serem agressivas com as outras!”, defende Aparecida Elmi Barnabé, psicóloga do Ambulatório DST – Aids de Salto, acrescentando ainda que, ao ser penalizado todo agressor deveria de ter acompanhamento psicológico – o que não acontece. “A vítima é sempre encaminhada para tratamento, já o agressor se revolta ainda mais, porque não esperava ser punido”, afirma, dizendo ainda que o conhecimento seja a principal bandeira contra a homofobia. “Não é porque um menino usa uma camisa rosa ou uma menina joga futebol que eles serão homossexuais. As diferenças precisam ser abordadas em casa e nas escolas desde a infância, através de livros didáticos”, analisa.

Segundo a psicóloga, ao agredir verbal ou fisicamente um homossexual a pessoa está lidando com a própria homossexualidade. Já Samantha reforça a tese dizendo que “o homem bem resolvido, o que sabe o que quer da vida, não tem preconceito. Ele pode não concordar com o tipo de vida que a pessoa leva, mas não demonstra”.

Conhecimento evita homofobia

Muito se discute a respeito, no entanto nada é feito para que cessem as agressões a homossexuais. Mas, seria este tipo de comportamento homofóbico uma doença? Afinal, o que é homofobia? De acordo com Cristina Lasaitis, pesquisadora biomédica do departamento de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na psicologia social ainda existe muita discussão sobre a adequação do termo “homofobia”, pois “fobia” é uma designação patológica, embora a homofobia não seja uma doença e nem tenha relação com as fobias típicas. “Adequado ou não, foi o termo que se canonizou na cultura corrente, e é usado para designar sentimentos, pensamentos e atitudes negativas contra a homossexualidade ou os homossexuais – nisso inclui-se o preconceito e a discriminação”, explica.

Segundo a pesquisadora, a homofobia pode estar fundamentada na expressão de valores de determinadas crenças e religiões; pode ser um comportamento reforçado pelo grupo social ao qual a pessoa pertence e ainda estar relacionada ao fato de a pessoa não conviver nem conhecer homossexuais pessoalmente, ou ter tido uma má experiência com um homossexual e generalizado o seu desagrado para todo o grupo. Pode também ser um modo de afirmar o seu papel social ou de gênero – no caso dos homens, associado à ideia da virilidade -, assim como assegurar a sua reputação dentro do grupo, ou até mesmo uma resposta contra inseguranças a respeito da própria sexualidade. “O principal meio de aquisição é o aprendizado social, que geralmente começa na infância. Há estudos que mostram que crianças a partir dos quatro anos já respondem a normas sociais aprendidas. E basta entrar numa escola para entender que a homofobia já se expressa entre as crianças; e não é raro que seja também demonstrada por professores e outros funcionários. Naturalmente, a escola, a família e a socialização entre as crianças são o primeiro contato e reforço do preconceito”, afirma.

Comportamento de defesa

Na mente do agressor homofóbico ocorre um fenômeno chamado “desumanização”. “Para ele, o homossexual é menos do que uma pessoa, alguém – ou algo – inferior e menos digno de direitos. Logo, na cabeça desse agressor, bater em um gay não é o mesmo que bater em uma pessoa”, revela a pesquisadora Cristina Lasaitis, dizendo ainda que essa visão distorcida para com o outro encoraja o comportamento agressivo.

Existem fatores que são correlacionados à maior probabilidade de se ter preconceito contra homossexuais, por exemplo: “Ser homem, mais velho, ter baixa escolaridade, ser morador de áreas rurais, ter frequência assídua a cultos religiosos e alta adesão a religiões, ter orientação política conservadora”, aponta, fazendo a ressalva de que “não significa que pessoas com esses perfis se tornarão agressoras”. A intolerância em seu estágio mais avançado, segundo ela, pode partir tanto de agressores contumazes como os skinheads, quanto de grupos de jovens a fim de espancar por “diversão”, a exemplo da recente violência na Avenida Paulista.

Sensibilizada pelos casos de intolerância sexual, Cristina Lasaitis decidiu abordar o tema “Aspectos afetivos e cognitivos da homofobia no contexto brasileiro – Um estudo psicofisiológico”, em sua dissertação de mestrado pela Unifesp, concluída em 2009. O objetivo da pesquisa foi o de estudar como pessoas reagem emocionalmente frente a imagens de conteúdo sexual – incluindo heterossexual, gay e lésbico – e comparar as respostas:

1) entre homens e mulheres

2) entre homo/bissexuais e heterossexuais

3) entre heterossexuais que se declaram sem preconceito versus heterossexuais que declaram distância social a gays e/ou lésbicas.

Dividida em dois momentos, a primeira etapa da pesquisa contou com 448 voluntários, recrutados em sala de aula nas universidades, que assistiram a uma apresentação de imagens emocionais variadas, como paisagens, animais, objetos, cenas trágicas, e também de casais homo e heterossexuais em diversas situações. “Eles declararam como se sentiam frente a cada imagem marcando as respostas em uma escala de emoção nas dimensões prazer, alerta e dominância”, explica. Nessa etapa, os voluntários não foram divididos por orientação sexual, e os resultados serviram para padronizar as imagens do estudo e comparar as respostas entre as amostras brutas de homens e mulheres.

Já a segunda etapa foi mais aprofundada e contou com apenas 39 voluntários (18 homens, sendo nove heterossexuais e nove homo/bissexuais; 21 mulheres – dez heterossexuais e 11 homo/bissexuais), que passaram por sessões individuais de aproximadamente uma hora, nas quais assistiram a uma apresentação de 40 imagens, relatando como se sentiam frente a cada uma, conforme as escalas de prazer, alerta e dominância. Ao passo que assistiam as imagens, eram feitas medidas fisiológicas, como nível de suor da pele, atividade dos músculos faciais, temperatura corpórea, que davam informações complementares sobre o estado emocional da pessoa. Por fim, comparou-se as respostas emocionais para as categorias de imagem (casais gays, lésbicas e heterossexuais) e entre os grupos divididos por sexo, orientação sexual e distância social a gays e lésbicas.

De acordo com a pesquisadora, dentre as conclusões mais interessantes, há a diferença entre os sexos. “Os homens heterossexuais responderam, em média, muito negativamente a imagens de casais gays, mostrando que neles a homofobia é forte e voltada contra homens gays. Já as mulheres heterossexuais têm reações de desagrado mais leves e inespecíficas contra gays e lésbicas”, explica a pesquisadora, acrescentando que “os voluntários declaravam sentimentos de baixa dominância frente a casais do outro grupo, ou seja, sentiam-se mais submissos, acuados”. “Isso foi mútuo entre os grupos hetero e homo/bissexual, significa que as pessoas ficam mais receosas perante um grupo diferente do delas. Exemplos de sentimentos de baixa dominância são medo e vergonha, o que sugere um comportamento defensivo por trás da homofobia. Ademais, heterossexuais que declaram algum nível de distância social a gays e lésbicas se mostraram menos receptivos a fotografias eróticas em geral, incluindo de casais heterossexuais”, conclui.

Direitos e conquistas

Mesmo expostos aos riscos da vida noturna, muitos GLBT consideram a ‘profissão do sexo’ como o caminho “mais fácil” para conseguir o sustento, já que são recusados em empresas e outros ambientes de trabalho, situação essa que pode ganhar novo rumo com a aprovação do Projeto de Lei Complementar 122/06, que constitui a homofobia um crime sujeito a penalidades. “Art. 4º Praticar o empregador ou seu preposto, atos de dispensa direta ou indireta. Pena: reclusão de dois a cinco anos”. Veja na íntegra: www.senado.gov.br/noticias/opiniaopublica/pdf/PLC122.pdf .

“Em primeiro lugar, a aprovação do PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia, é um passo fundamental, pois lança bases legais para o combate à homofobia nos mesmos moldes como foi criminalizado o racismo no Brasil. Além do mais, seria um posicionamento importantíssimo por parte do Estado, tendo em vista que instituir sobre a homofobia o rótulo de ‘crime’ gera uma pressão simbólica e pragmática para reprimir atos de discriminação e violência. E paralelamente, também é necessário agir no campo simbólico, desconstruindo o tabu que se criou em torno da homossexualidade”, avalia Cristina Lasaitis.

“Essa é uma tarefa, sobretudo, para a educação, a cultura e a comunicação. É necessário educar e informar a população, desmistificar os estereótipos que se criou sobre gays e lésbicas, incluir a homossexualidade de forma natural no repertório cultural e cotidiano da sociedade brasileira, e criar um movimento pró-convivência, inserindo a ideia de que homossexuais são pessoas do convívio, atuando pela inclusão social. Outra forma efetiva de combater a homofobia é também combater o machismo, pois essas duas esferas do preconceito estão intimamente relacionadas”, conclui.

MAIS: Disque-denúncia: 181

texto: Valdenir Apollo

foto: Microfoto

# DESTAQUES

Abrir WhatsApp
1
ANUNCIE!
Escanear o código
ANUNCIE!
Olá!
Anuncie na Revista Regional?