Os conservadores que nos desculpem. Itu é sim o Berço da República, com seus lindos prédios e igrejas históricos, cheios de detalhes que retratam um pouco da vida dos ituanos e do país também, mas a cidade é famosa pelo Brasil todo por ser a Capital dos Exageros, e isso não podemos negar.
A lenda de ser a cidade “onde tudo é grande” começou na década de 1960, com o então humorista de “A Praça da Alegria”, o ituano Francisco Flaviano de Almeida, o Simplício, que interpretava um caipira chegando à capital. Mas antes vamos voltar um pouquinho no tempo. Há ainda outro relato mais antigo, que remonta do século XIX. Segundo o Arquivo Histórico Municipal de Itu, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire viajou pelo Brasil em 1819 colhendo mais de 6 mil espécies da flora brasileira, e registrou as condições de vida e costumes em seu livro “Viagem à Província de São Paulo e Resumos das Viagens ao Brasil”, em que relata que “as romãs dos arredores de Itu são as melhores de todo o país e que as cebolas ali atingem extraordinário tamanho”.
Coincidência ou não, quase 150 anos mais tarde Simplício defendia e exaltava na TV as grandezas de sua terra. O quadro era mais ou menos assim: os habitantes da cidade grande, simbolizados pelo apresentador Manoel da Nóbrega, viviam se vangloriando das modernidades e superioridades da capital. E o caipira, para não se deixar vencer, começava então a dizer que na cidade dele tudo era maior ainda, em escalas estratosféricas. Até que um dia, Simplício resolveu dizer que esta cidade onde tudo era grande se chamava Itu.
A brincadeira apareceu de improviso, mas Nóbrega deixou que o nome do município continuasse sendo usado e pronto, a fama estava feita. A história foi se espalhando e com isso começaram a surgir diversas piadas, como no diálogo abaixo, que foi resgatado pelo jornalista Salathiel de Souza em seu projeto de graduação, o livro-reportagem “Simplício, Um Contador de Histórias”.
– Aqui na capital é uma modernidade só. Acabaram de inaugurar um prédio de 60 andares. Veja só meu amigo! Se-ssen-ta andares! É o progresso!
– Pogresso? Magina. Pogresso é na minha cidade, lá em Itu. Lá é que tudo é grande…
– Quer dizer que lá em Itu há prédios com mais de 60 andares?
– Craro! Craro que tem! Lá em Itu nóis inauguremo semana passada o maió prédio da cidade até hoje.
– Ah, é? E quantos andares ele tem?
– Pois tem 247 andar!
– O quê? Quer que eu acredite num prédio de 247 andares?
– E é verdade… Tem 247 sem contar com os 65 de estacionamento subterrâneo!
– O senhor vai me desculpar, mas não tem como acreditar numa coisa dessas…
– Então vai lá… Vai lá em Itu pra ver… Tá duvidando di mim? Óia, esse prédio é tão grande, mas tão grande, que uns dia depois da inauguração um sujeito tento se matar, se jogando lá de cima…
– E ele conseguiu?
– Ainda não seu moço… É que o prédio é tão grande, mas tão grande que ele já pulou lá de cima… Mas passou quase uma semana e ele não chegou no chão ainda!
As piadas eram bem exageradas mesmo. Mas isso é que fazia a graça da plateia. E de tanto os telespectadores ouvirem Simplício falar das grandezas exageradas de Itu, milhares de turistas começaram a visitar a cidade para conferir.
‘Lembranções’ de Itu
O auge do turismo lúdico foi na década de 1970. Entre 3 mil e 5 mil pessoas visitavam a cidade nos fins de semana. E valendo-se da audiência do programa, alguns comerciantes ituanos começaram a fabricar e vender objetos de tamanho descomunal. São martelos, réguas, canetas, lápis, borracha, cédulas de dinheiro e mais de 200 artigos gigantes que até hoje são vendidos nas lojas do Centro histórico da cidade, ao redor da Praça da Matriz.
Naquela época existia ainda o ovo de codorna de Itu, que era do tamanho de um ovo de avestruz; a xícara de Itu, que servia como capacete, de tão grande que era; a pulga de Itu, vendida numa gaiola e que mais parecia uma abelha; o chapéu de Itu, que diziam ser “o único que serve para se abrigar do sol de Itu, o maior do mundo”; o cachorro-quente e o sorvete tinham meio metro de comprimento; e até para percorrer um restaurante era necessário uma motocicleta, de tão compridos que eram os estabelecimentos.
Nesta mesma década surgiram também o Orelhão de Itu, com sete metros de altura, que foi cedido pelo então Ministro das Comunicações Higino Corsetti, e instalado pela Telesp – posteriormente reformado pela Telefônica – na Praça da Matriz; e o Semáforo de Itu, que corresponde a duas vezes o tamanho de um comum e funciona em um cruzamento na mesma praça.
Hoje não há como falar de Itu sem mencionar essa lenda, que continua a ser responsável pela vinda de diversos turistas, de todas as idades, todos os fins de semana na cidade. Aliás, o sucesso é tanto que esses “lembranções” podem ser encontrados inclusive em outros pontos do país, como em alguns postos de rodovias do Rio de Janeiro.
Na loja O Gigantão, por exemplo, a vendedora Rebeca Evelin Romanesi conta que as pessoas olham toda a coleção de objetos grandes, tudo de fabricação própria, para depois decidir o que levar. “As pessoas geralmente escolhem produtos sugestivos e com duplo sentido de interpretação, que rendem boas risadas, para presentear os amigos e parentes, como um cotonete de Itu, com meio metro, para um tio limpar melhor os ouvidos”, conta.
E para propagar mais essa lenda, a Prefeitura de Itu pretende lançar a Praça dos Exageros, ao lado do Centro de Lazer “Franco Montoro”, no Jardim Padre Bento. Como atrativos estarão equipamentos de recreação infantil comuns de um playground confeccionados a partir de objetos em tamanho ampliado, para justificar a fama da cidade. É o caso de uma latinha de cerveja que se transformou em pedalinho.
O homem de Itu
Francisco Flaviano de Almeida nasceu em Itu em 1916, trabalhou como vendedor de um armazém e na fábrica de tecidos São Luiz. Chegou a ser músico, atuando como baterista, o que já indicava sua inclinação para a vida artística. E foi a partir dessa paixão que ele saiu de Itu para acompanhar um circo e iniciar sua carreira no palco, na pele de um palhaço. Como comediante, começou na rádio Cultura, em 1945, no programa “Cirquinho do Simplício”. E lá que surgiu a amizade com Manoel da Nóbrega. “Meu pai gostava muito dele e do tipo de humor que ele fazia. Tanto que sempre que mudava de rádio, e posteriormente de emissora, chamava o Simplício para trabalhar com ele”, relata Carlos Alberto de Nóbrega, apresentador do “A Praça é Nossa”, no SBT.
Logo depois, Manoel chamou Simplício novamente para trabalharem juntos na TV Paulista, em “A Praça da Alegria”, primeiro programa humorístico da televisão brasileira, com o personagem caipira, que rendeu a lenda de Itu ser a cidade “onde tudo é grande”. “Mais tarde veio ‘A Praça é Nossa’, já no SBT, em que Simplício participou por 22 anos, primeiro atuando com meu pai e depois comigo, e continuou a perpetuar a fama de Itu, até falecer, em 2004. Conheci ele com oito anos de idade, e se foram mais de 60 de amizade. E eu gostaria muito de trazer esse quadro de volta ao programa, numa homenagem ao Simplício. Acho que ele merece isso e muito mais. Seu humor e alegria eram espontâneos e contagiantes, algo difícil de se encontrar hoje em dia”, ressalta Carlos Alberto.
De acordo com o jornalista Salathiel de Souza, que pesquisou extensamente a vida do artista e da cidade, apenas por causa dessa história que Simplício criou é que Itu conseguiu atrair investimentos para o turismo e tornar-se Estância Turística, com direito a verbas estaduais e federais. “Não fossem essas divisas geradas na cidade na época, Itu não seria hoje o que é”, analisa.
reportagem de Erica Gregorio
fotos Rapha Bathe