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Post: Monja Coen em entrevista exclusiva

Monja Coen em entrevista exclusiva

Monja Coen é a fundadora da Comunidade Zen Budista no Brasil e concedeu esta entrevista exclusivamente para a Revista Regional

Ordenada monja em 1983, Coen Sensei é a fundadora da Comunidade Zen Budista no Brasil. A missionária, que hoje participa de encontros educacionais, inter religiosos e promove a Caminhada Zen, em parques públicos – com o objetivo de divulgação do princípio da não violência e a criação de culturas de paz, justiça, cura da Terra e de todos os seres vivos – em nada lembra a mulher que um dia já foi presa na Suécia e tentou o suicídio. É verdade que o período conturbado, regado por excessos, pode soar um tanto destoante da trajetória da missionária. Mas, por outro lado, demonstra que ela foi capaz de percorrer caminhos muitas vezes inexplorados, provando que os seres humanos podem realizar profundas transformações em suas vidas: para que isto aconteça, segundo Monja Coen, é necessário esforço contínuo. Simultaneamente, é preciso confiança e entrega às práticas de se aprofundar no conhecimento da nossa essência verdadeira. Numa entrevista exclusiva à Revista Regional, Monja Coen fala de felicidade e critica a obsessão das pessoas em serem perfeitas – comportamento muito comum nos dias de hoje, que, de acordo com a religiosa, “sofre e faz sofrer” – e incentiva a busca pela excelência. Ao mesmo tempo, propaga o respeito à vida em suas inúmeras formas e cita exemplos de manifestações do amor incondicional em nosso cotidiano. Além de um convite à reflexão, seus conselhos e ensinamentos são um presente aos leitores nesta primeira edição de 2011.

Certa vez, a senhora afirmou que “apreciar a imperfeição é uma arte”. Todavia, essa é uma filosofia que vai de encontro ao comportamento de muitas pessoas. Acredita que os seres humanos (pelo menos a maioria deles) têm dificuldade para reconhecer suas próprias limitações?

“Estudar o Caminho de Buda é estudar o Eu / Estudar o Eu é esquecer-se do eu. / Esquecer-se do eu é ser iluminada por tudo que existe. / É abandonar, ir além do próprio corpo-mente e de outros seres. / Nenhum traço de iluminação permanece / E esta iluminação sem marcas é colocada à disposição de tudo que existe”. (Mestre Zen Eihei Dogen – 1200-1253). O que nós, seres humanos, precisamos conhecer não são apenas nossas limitações, mas fundamentalmente a nós mesmos e a nossa essência verdadeira. Essa a tarefa mais importante. Há vários caminhos: o do Zen Budismo é o Caminho do Zazen. Za significa sentar e Zen é um estado de meditação profunda, onde o pequeno eu individual se percebe como o grande Eu coletivo. Um estado de não discriminação, de unidade, de integridade.

Que conselho a senhora daria para essas pessoas?

Como diz meu vizinho – o psiquiatra Paulo Gaudêncio – devemos buscar a excelência e não a perfeição.  Quem procura pela excelência está sempre bem, pois faz o seu melhor a cada instante.  E se o resultado ainda não é satisfatório, tenta outra vez. Aquele que almeja a perfeição está sempre infeliz, reclamando de não ter atingido esse objetivo. Sofre e faz sofrer. Até os pássaros tem limites em seus voos. Assim, nós, seres humanos, temos inúmeros limites – físicos, psicológicos, mentais, espirituais.  Mas que eles não nos aprisionem e possam ser portais de libertação. Possam se expandir. Essa percepção da vida como um processo em constante transformação é a base da mente sábia, iluminada.

Sob essa perspectiva, de que maneira uma frustração pode contribuir para o amadurecimento? Concorda que só são realmente felizes aqueles que sabem lidar com as desilusões e aprendem com os próprios erros?

Não é errando que se aprende.  É corrigindo os erros, conforme o pensador Mario Sergio Cortella, professor de Filosofia da PUC SP: essa premissa tão simples precisa ser cuidadosamente estimulada. Outro pensador interessante é o professor Hermógenes, um dos pioneiros do Yoga no Brasil. Já o ouvi em várias palestras dizer: “Estou criando uma nova religião, o ‘desilusionismo’. Cada desilusão nos coloca mais perto da verdade. Assim devemos agradecer por cada desilusão”. Não é interessante? Ao invés de reclamarmos, podemos agradecer a cada vez que nos desiludimos.  Pois se houve ilusão, existirá desilusão. Entretanto, se mantivermos a mente clara e luminosa haverá menos desilusões. Viver a vida como um processo de crescimento e amadurecimento dói, incomoda muitas vezes, mas nos leva a uma compreensão mais clara e sutil do que somos. O que somos nós?  Como funciona a mente humana? O que são pensamentos, sensações, emoções, conexões mentais? O que é vida-morte? Para que estamos aqui? São perguntas iniciais, perguntas finais, que cada um de nós deve provocar. O importante, muitas vezes, não é responder, mas ser capaz de questionar.

A senhora acredita que é possível ter uma atitude zen no dia-a-dia, sem precisar se retirar num mosteiro nem ser budista. Como os princípios do Zen Budismo podem ser incorporados ao dia-a-dia das pessoas?

O Zen Budismo – como toda e qualquer religião – deve ser incorporado na vida diária. Religião pode ter vários sentidos. O mais usado viria de religare – nos religarmos ao sagrado, ao uno, a nosso corpo-mente-espírito como unidade. O Segundo sentido é relegere – ler novamente, fazer uma releitura de nossas ações, palavras e pensamentos. Fazer escolhas, então. Rever nossos valores éticos e vivê-los.  É preciso ouvir ou ler os ensinamentos, refletir sobre eles e colocar em prática. Então temos o terceiro significado de religião – religiosamente.  Prática incessante em nossa vida diária: fazer o bem a todos os seres, todas as criaturas, não pode ser apenas uma prática restrita aos templos e locais especiais de encontros espirituais. Assim, observamos cuidadosa, meticulosa, religiosamente nossos gestos, palavras e pensamentos. Nosso modelo são os inúmeros Budas e seres iluminados. Seja qual for a situação, invocamos pela presença desta sabedoria superior para podermos compreender e agir de forma a fazer o bem ao maior número de seres. Isso inclui pessoas de convívio íntimo (familiares, companheiros, companheiras), pessoas de nosso convívio social – de trabalho, negócios, trocas, encontros e desencontros – e todas as formas de vida. Acordar com alegria e disposição.  Estar pronta a servir com ternura e respeito à vida em suas inúmeras faces e formas – este o Caminho do Zen.

Para que as pessoas possam transformar o mundo, elas precisam primeiro transformar a si mesmas. Por que nem sempre é fácil reavaliar nossas atitudes? Além de vontade, o que é preciso para que essas mudanças aconteçam de fato?

Para nos tornarmos a transformação que queremos no mundo, como dizia Mahatma Gandhi, é preciso esforço contínuo. Temos hábitos, arestas, asperezas, inflexibilidades, discriminações, durezas.  Raramente as percebemos.  Podemos apontar erros e faltas nos outros. Como é difícil para o olho ver o olho. Assim, é sempre adequado procurar um grupo de prática para se fortificar.  Buda falava em Três Tesouros, Três Jóias Preciosas: o Ser Iluminado e Sábio, pleno de compreensão e compaixão; a Lei Verdadeira, os ensinamentos preciosos: a grande verdade de causas, condições e efeito, a grande verdade da transitoriedade, de tudo estar sempre se modificando, a grande verdade de Nirvana – estado de paz e tranquilidade; e a Terceira Jóia é a Sanga, a Comunidade de praticantes. Logo, é necessário encontrar pessoas experientes, que possam nos guiar na senda da iluminação. É preciso confiar e entregar-se às práticas de se aprofundar no conhecimento da nossa essência verdadeira. E, a partir desse encontro, dessa experiência mística, surge a fala amorosa, o servir terno, a compreensão superior.

Para a senhora, qual a maior prova de amor ou afeto que um ser humano pode dar ao seu semelhante? Como o indivíduo pode contribuir para melhorar a comunidade em que vive?

Amor não precisa de provas. Amor verdadeiro, incondicional é suave e constante, acolhe, inclui, orienta, guia por meio da bondade e do servir pleno. Cada um de nós, cada uma de nós é a vida da Terra se manifestando. O que fazemos, falamos e pensamos mexe na teia da existência. Então, é preciso sempre saber que somos co-responsáveis pela realidade que estamos vivendo. E cada um, cada uma de nós faz a diferença, seja onde for. Uma diferença sutil, quase invisível, procurando sempre levar à harmonia e ao respeito entre os seres humanos e entre seres humanos e a natureza.  Somos a natureza.  Não viemos de fora nem iremos para fora.  Assim, respeitando a vida em suas diversas formas e cuidando com ternura de cada objeto, planta, gota de água, particular de terra, insetos, animais, pedras – tudo é esse corpo sagrado, que é o nosso próprio corpo.  Então, por que não cuidar bem?

Deixe uma mensagem aos leitores de Revista Regional, enfatizando suas expectativas para 2011.

Para que nossa espécie possa continuar existindo no planeta Terra faz-se necessária uma mudança na maneira de pensarmos a vida/morte.  Precisamos desvendar os segredos da existência, e, ao mesmo tempo, conhecer em profundidade a mente humana, para nos tornarmos capazes de fazer escolhas que sejam para o bem de todos os seres. Eu tenho grande esperança: não apenas nas religiões, como caminho ético, na espiritualidade como meio de encontro místico ou mesmo na Ética dos que transcenderam religiões e espiritualidades. Nossa sobrevivência depende de uma mudança no modelo mental.  Não somos o centro do Universo.  Somos uma das inúmeras formas de vida que precisam de outras para se manter viva. Então falamos de Ecologia, de Sustentabilidade. Como escreveu certa vez Millôr Fernandes: “O maior altruísta é o maior egoísta”. Afinal, o altruísta é alguém que já percebeu que sua felicidade, saúde física mental e social depende do bem estar de todos e todas. O meu eu pequeno só estará bem quando o nosso Eu maior estiver em harmonia. Assim, fazer o bem aos outros, cuidar do planeta – nas coisas pequenas como o desligar a torneira quando não estiver sendo usada, tampar a panela no fogão para não desperdiçar o gás, não jogar papéis na rua, reciclar o lixo, considerar seus vizinhos – está tão ligado a questões aparentemente mais filosóficas como o de não falar à toa, não provocar brigas e separações, mas usar nosso tempo-vida para criar beleza, amorosidade, sabedoria e grande compaixão. O outro é um aspecto de mim mesma. Vamos invocar Buda, invocar a Sabedoria Suprema e brincar livres na Terra Pura. Que todos os seres se beneficiem e possamos todos e todas nos tornarmos o Caminho Iluminado. Mãos em prece!

entrevista e texto: Piero Vergílio

fotos: Divulgação

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