Iniciativas mostram que a simplicidade, a caridade e a compaixão podem refletir uma vida plena e a tão sonhada paz de espírito
O amor sempre esteve presente em toda a história da humanidade como propulsor de grandes transformações, deixando verdadeiras lições de vida que foram passadas de geração em geração no decorrer de toda a nossa existência. Ensinamentos que nos trouxeram sabedoria e conquistas, sobretudo nas relações, possibilitando a proximidade entre os povos e a valorização do ser humano. Valores estes que, infelizmente, aparecem cada vez mais raramente nos dias de hoje. O que fora importante outrora, agora é descartável, e tudo parece girar em torno de interesses.
Ao menos é o que se vê a olho nu quando se faz uma análise superficial do que se transformou a sociedade. São exemplos de corrupção, de mentira, de banalização da vida, de uma política de venda ou troca de interesses. E diante deste cenário, torna-se indispensável buscar o oposto, mostrar que a essência do viver ainda pulsa, que ainda há esperança. E que o amor é a chave para essa felicidade que a maioria não consegue enxergar; são inúmeras as iniciativas que visam mostrar que a simplicidade, a caridade e a compaixão podem refletir uma vida plena e a tão sonhada paz de espírito.
“Ágape”, a mais nova publicação do padre Marcelo Rossi é uma delas. O livro tem como tema exatamente o amor divino – aquele que Deus tem pelos seus filhos, que é o mesmo que impulsiona as pessoas a amarem umas as outras. Já no prefácio da narrativa, escrito por Gabriel Chalita, é possível compreender porque é tão necessário abordar o assunto nesse momento tão delicado que vivemos. Logo nas primeiras linhas, o escritor observa: “Estamos acostumados a viver em um mundo em que as pessoas agem na expectativa de reciprocidade. A ação traz uma reação. Infelizmente, não se encontra sabor em relações desinteressadas”.
E é exatamente esse amor que independe de condições que dá o tom desta reportagem. Inspirada pela obra mencionada acima, tem como objetivo apresentar a força e o poder desse sentimento, que é capaz de tudo, através de exemplos emocionantes. Se no livro o autor utiliza passagens bíblicas para relacionar com os aspectos abordados dentro da temática, como perdão, humildade e tolerância, aqui serão utilizadas histórias reais, para que você, leitor, compreenda que todos somos capazes de aflorar esse sentimento.
Conforme explica o padre Clóvis Wilson Fontenla, pároco da Paróquia de São Cristóvão, em Itu, todos já nascemos com esse amor incondicional dentro de nós. “Isso porque somos imagem e semelhança de Deus. O problema é que nem todos sabem explorar essa dádiva”, explica. O que o padre quer dizer é que, assim como os músculos do corpo humano, como ele mesmo exemplifica, o amor também precisa ser exercitado para que possa funcionar. E a melhor forma de se fazer isso é praticando a gratuidade: compartilhando testemunhos, fazendo orações, possibilitando experiências espirituais e buscando cada vez mais embasamento para a própria fé.
Quando uma pessoa se abre para o amor, ela passa a enxergar o outro como um irmão. Não vê diferenças. Os preconceitos se quebram e o que prevalece é a vontade de compreender aquela realidade e poder oferecer a si como ferramenta para melhorar o que nela for preciso. E o mais importante: sem esperar nada em troca. O pároco lembra que, naturalmente, tudo o que é feito é recebido de volta, em alguma circunstância. Mas também afirma que o cristão não precisa dessa reciprocidade. “Somos como um copo que está transbordando água. É involuntário. Essa água precisa ser transbordada, passada adiante, assim como esse sentimento que nos move”, exemplifica. Basta permitir, do mesmo modo que tanta gente aqui da nossa região tem feito. Algumas dessas histórias você confere agora. Que possam servir de inspiração para dias difíceis e de esperança por um futuro de bem!
Amor incomparável
“Com o coração apertado, tomou a decisão mais difícil de sua vida: internar o filho em uma clínica de recuperação”
Dizem que amor de mãe é único. E, sendo assim, nada mais propício do que a história de uma senhora que lutou contra os próprios sentimentos para salvar a vida de um filho para dar início a esta reportagem. Maria Flúvia Isola Ferrarezzi, professora aposentada, sofreu um drama que muitas mulheres – e famílias de modo geral – têm enfrentado mundo afora: o envolvimento de um ente querido com as drogas. Há aproximadamente 13 anos, Maria Flúvia viu seu único filho se tornar um dependente químico e se afundar nesse universo que muitas vezes não tem volta. Foi um período doloroso, de longas esperas, ansiando pela chegada do jovem, que passava tanto tempo fora de casa, entrando cada vez mais no caminho de um futuro incerto. Com o coração apertado, tomou a decisão mais difícil de sua vida: internar o filho em uma clínica de recuperação. Embora soubesse que era a única maneira de trazê-lo de volta a uma vida saudável, como sempre tivera, não foi fácil porque se tratava de um ambiente que nenhuma mãe deseja para seu filho. O trabalho era sério, as recomendações eram positivas. Mas, ainda assim, partiu o coração daquela mãe tão apegada ao filho ter que deixá-lo num lugar distante, em meio a pessoas em situações iguais ou piores que a dele. Um lugar triste, de atmosfera carregada, como não poderia deixar de ser. Só que Maria Flúvia foi forte. Agarrada a uma fé inabalável, não se deixou sucumbir e fez o que tinha de ser feito. Agiu pela razão e foi obrigada a deixar a emoção de lado. Pelo menos até que a decisão fosse concretizada. A volta para casa foi regada a muitas lágrimas e questionamentos. A mistura de sentimentos como angústia, saudade e a vontade de estar perto se arrastaram pelos meses que o rapaz ficou internado. Mas a espera e o sofrimento valeram à pena. O desfecho da história não podia ser mais feliz: o filho voltou para casa e logo arrumou um emprego, no qual permanece até hoje, casou e deu um lindo neto para Maria Flúvia. Como forma de agradecimento à benção recebida, hoje ela ajuda outras famílias que passam pelo mesmo problema. É a integrante mais antiga do “Grupo Amor Maior”, de Salto, o mesmo que frequentava naquela época tão conturbada de sua vida. Lá ela passa adiante tudo o que aprendeu durante todos esses anos e também com sua experiência pessoal, colaborando com o propósito da fundação: que é exatamente dar apoio aos familiares de dependentes químicos, que geralmente ficam desestruturados com a descoberta (e convivência) do problema. Um exemplo de que com fé e amor tudo é possível. Até mesmo vencer os próprios limites e fazer disso uma lição de vida para outros que passam pela mesma situação.
Amor absoluto
Depois do assassinato do filho, ela sentiu o coração falar mais alto e decidiu que precisava fazer algo para ajudar a família do criminoso
A comerciante Daisy Laurino é a maior prova de que o amor supera todas as diferenças e principalmente os erros do próximo. Vítima de um drama familiar ainda mais delicado do que o de Maria Flúvia, esta mulher encontrou na dor o caminho para transformar a realidade de pessoas que jamais poderiam esperar. Há pouco mais de um ano, Daisy perdeu um de seus filhos em um latrocínio na cidade de Indaiatuba, onde mora e mantém uma padaria. Rafael Laurino tinha apenas 25 anos, era um garoto carismático e amado por todos, com uma vida inteira pela frente. Certo dia, quando saía do estabelecimento e fechava as portas para ir embora, o rapaz foi abordado por um assaltante que estava armado e exigia dinheiro. Daisy conta que o filho reagiu, por impulso, e acabou levando dois tiros – um no peito e outro no abdômen – que foram fatais. Apesar do sofrimento, a mãe nunca sentiu ódio do autor do crime. Mas também não conseguia imaginar como seria se um dia o encontrasse. No entanto, ao receber uma carta psicografada de Rafael, por intermédio de uma senhora que nem a conhecia, como ela mesma diz, Daisy acreditou que seu filho agora estava bem. E diante disso despertou para o fato de que o assassino, já preso, também tinha uma família e que esta poderia estar desamparada sem o pai. Com o auxílio de amigos e entidades do município, descobriu quem era o homem responsável pela morte do garoto e que ele estaria desesperado quando ocasionou a tragédia. “Soube que ele precisava de dinheiro para pagar aluguel. Estava drogado, em uma situação muito difícil. Quando foi preso deixou sua mulher e três filhos sozinhos; eu não podia ficar parada diante disso”, relata. Afinal de contas, ela conhecia muito bem a dificuldade que era criar uma família sem a ajuda do pai. Daisy ficou viúva muito cedo, aos 30 anos, quando seus dois meninos ainda eram muito pequenos. Foi camelô, cozinheira e enfrentou muitas outras barreiras para conseguir dar um futuro digno às crianças. Agora, mesmo depois de tudo o que passou, sentiu o coração falar mais alto e decidiu que precisava fazer algo por aquelas pessoas. Arrumou emprego para a mulher do homem que matou Rafael e ainda colocou os filhos dele em creches. Como se não bastasse, até hoje colabora com a doação de alimentos para essa família que nem imagina de onde vem a ajuda que tanto necessitam. “São crianças lindas, que não podem pagar pelo erro do pai. É importante que possam crescer em uma realidade diferente, longe da violência”, comenta a comerciante. Esta é, sem dúvida nenhuma, uma das mais lindas histórias de perdão e amor incondicional que pode existir.
Amor ao desconhecido
“Junto a outras pessoas, ele deu início a um trabalho que preconiza a valorização e a humanização do paciente com câncer”
Assim como as histórias anteriores, a atitude do terceiro personagem desta reportagem também pode servir de inspiração para você, leitor, que busca estar em paz através da prática da caridade e do amor ao próximo. Rogério Gottardi é exemplo de muitos outros nomes que atuam em prol do desconhecido em nossa região. Presidente do “Mais Vida: Centro de Apoio ao Portador de Câncer”, que iniciou suas atividades há cinco anos em Itu e agora conta com unidades em Elias Fausto e Indaiatuba, dedica cada hora de seu dia para oferecer mais qualidade de vida aos pacientes que sofrem com esta doença tão devastadora. Quando questionado sobre os motivos que o levaram a criar a ONG, Gottardi revela que foi apenas pela constatação das dificuldades que essas pessoas enfrentam. Ao acompanhar casos na própria família ou de conhecidos, percebeu que há uma carência muito significativa especialmente no que diz respeito ao apoio, ao carinho, ao cuidado com estes pacientes. E mais do que isso. Notou que, na maioria das vezes, as famílias e os cuidadores também ficam muito desamparados. Por isso, junto a outras pessoas, deu início a um trabalho que preconiza a valorização e a humanização do paciente. “Queremos mostrar que eles ainda estão vivos, apesar das condições. E buscamos ser o porto seguro daqueles que cuidam dos portadores do câncer, pois eles precisam estar bem para dar segurança e esperança para os doentes”, explica o presidente. Para isso, conta com uma equipe que é formada por diversos profissionais especializados – como psicólogo, fisioterapeuta, assistente social – e voluntários capacitados. O trabalho de Rogério Gottardi e de seus colaboradores consiste em proporcionar o bem a todas essas pessoas, sem custo, sem esperar nada em troca, a não ser a alegria e o bem-estar dos assistidos. Além do acompanhamento que recebem dentro da ONG, os pacientes contam com a ajuda no encaminhamento de exames, consultas, doação de remédios, suplementos alimentares, cestas básicas, atividades em grupo e todo o suporte necessário – tanto no aspecto físico quanto no psicológico. É fazer o bem sem olhar a quem.
Hino da caridade
“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência. Ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei.
E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.
O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará; porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos.
Quando, porém, vier o que é perfeito, então, o que é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.
Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor”.
(carta de São Paulo aos Coríntios)
texto Caroline Rizzi